A vida é feita de encontros. E como encontramos pessoas todos os dias! O Evangelho é marcado por encontros, como, por exemplo, o de Jesus com a Samaritana na beira de um poço (João 4,4-42). É o momento no qual Jesus se revela como água viva que jorra para a vida eterna. A leitura desse texto me fez pensar sobre as crises que passamos, como humanos que somos, nas diversas fases da vida: infância, pré-adolescência, adolescência, idade adulta, etc. Sabemos que pela complexidade do ser humano, há uma certa elasticidade conceitual na compreensão dessas fases, pois a idade cronológica nem sempre é determinante na vida. Não queremos fazer uma exegese do texto bíblico, isto é, uma análise histórica, contextual, social, etc, mas uma leitura orante, na qual, meditando o texto, faz-se uma aplicação na vida diária. Nossa preocupação aqui não é fazer ciência bíblica.
Há um detalhe que o evangelista apresenta na sua narração do encontro de Jesus com a Samaritana, sobre o qual tenho pensado bastante. Ele aconteceu ao meio-dia, como nos narra o evangelista (João 4,6), e muito mais que um horário, prefiro vê-lo como o meio-dia da vida da mulher samaritana. No aspecto cronológico, qual o meio-dia da vida? Valendo-nos de uma média de vida entre 70 e 80 anos, podemos calcular a fase dos 35 aos 45 anos de idade como o meio-dia da vida. Por isso, podemos dizer que essa mulher encontrou-se com Jesus num desses momentos corriqueiros do dia-a-dia: buscando água no poço, algo muito natural naquele lugar e naquela época. Ao dialogar com Jesus ela percebe sua situação própria de vida: teve cinco maridos, e o que ela tem agora ainda não é seu. Talvez uma leitura superficial do texto poderia fazer você pensar em moralismo, mas preferimos ir além disso. O fato da troca de cônjuges é conseqüência e não causa.
Ao perguntar a uma amiga psicóloga sobre essa fase do meio-dia da vida, ela me dizia que é um período que se caracteriza por fim de relacionamentos amorosos (separações), desemprego ou troca de profissão, certa crise de identidade, homens e mulheres quarentões (ou mais!) vestindo-se como jovens adolescentes e freqüentando ambientes próprios da juventude, usando brinco, piercings, moda “Pato Donald”(barriguinha de fora); convivência com filhos adolescentes e toda sua problemática de relacionamento, enfim, período em que olhamos para trás e vemos o que fizemos da vida até agora. Isto é um fenômeno interessante. Sem dúvida, a mulher samaritana olhou para trás ao encontrar-se com Jesus. Ele não a condenou por suas atitudes, mas levou-a a repensar o seu modo de viver. Foi um momento de crise existencial, o qual todos passamos, em várias fases da vida e não só na sua metade. Assim, pensamos que essa mulher tem algo a nos fazer refletir e decidir: como vivemos nossas crises existenciais?
O importante é que a mulher samaritana, à beira do poço, na conversa com Jesus, encontrou um sentido novo para sua existência no meio-dia da vida. No meio-dia é a hora do sol mais forte e do calor, momento de sede em que precisamos, não só de um poço com água limpa e fresca, mas necessitamos de uma atitude: beber água. Se no meio-dia da vida nos deparamos com uma sede imensa de vida nova, quem sabe não está na hora de olharmos em duas direções: para trás e ver o que fizemos até agora, nossas decisões, palavras proferidas, amores, profissão, estudos, etc. E dirigirmos nosso olhar para frente: o tempo que ainda nos resta e o que temos para realizar, pois muitos dependem e precisam de nós. Nem tudo está perdido!Ainda é tempo de decidir e recomeçar: é tempo de saciar a nossa sede na Água Viva que jorra para a vida eterna e plena. E esse tempo tem um nome: hoje. Jesus Cristo é o mesmo. E a samaritana? Pode ser você.
Padre Márcio Andrade da Silva
Diretor Espiritual do Movimento CLJ - Vicariato de Porto Alegre
(artigo escrito para o jornal Primeira Hora – Bom Princípio)
Nenhum comentário:
Postar um comentário